O Pré-Natal que Você Merece: Menos é Mais
- vitorreis222
- 28 de mai.
- 9 min de leitura
Posso afirmar com tranquilidade que a rotina de pré-natal é o momento mais importante da gestação. A gestante procura, por 09 meses, bons profissionais que a oriente sobre as melhores medidas a se tomar para o bom desenvolvimento do bebê. Por ser um tópico com muita informação, não cabe tudo em uma única postagem, então o assunto "pré-natal" será fragmentado por aqui.
Hoje, vamos focar em uma das partes do pré-natal: exames, sejam eles de laboratório ou de imagem. E por quê o título de "menos é mais"? Porque o que vemos como tendência hoje em dia é uma solicitação excessiva de exames, que não trazem um benefício real para o desfecho daquela gestação. É muito mais importante focar no básico e no que realmente é necessário, ao invés de pedir vários exames e negligenciar as partes fundamentais e que merecem mais atenção.
Claro que, o que você lerá aqui abaixo, serve para perto de 85% das gestantes, que são consideradas de "risco habitual", ou seja, não existe uma condição materna e/ou fetal que necessite de um acompanhamento específico com exames. Sempre, independente do contexto, os exames devem ser individualizados, mas, existe uma recomendação básica de rotina!
Anemia, Tipo Sanguíneo e Gestação
Vamos falar brevemente da patologia mais comum do período gestacional: a anemia. Definida como a redução nos níveis de hemoglobina para além do mínimo necessário para suprir necessidades maternas e fetais, é diagnosticada quando o nível de hemoglobina (ou Hb) encontra-se abaixo de 11 g/dL.

Quando os níveis de hemoglobina caem abaixo do valor de referência, e a anemia se instaura, as repercussões podem ser maternas (como cansaço, fadiga, indisposição, palpitação, dificuldade de ganho de peso, maior suscetibilidade a infecções e maior risco de sangramento durante o parto) e fetais (baixo peso ao nascer, restrição de crescimento, risco de anemia na infância). Felizmente, é uma doença de fácil diagnóstico: basta solicitar um hemograma completo que o diagnóstico sindrômico estará dado. Na gestação, a causa mais comum de anemia é a deficiência de ferro, tanto relacionada à baixa ingesta quanto ao uso do mineral para o desenvolvimento fetal.
Por ser a doença mais comum da gestação, é fácil imaginarmos que existe não só uma recomendação de rastreamento em todas as gestantes, como também uma recomendação de profilaxia através da suplementação oral de ferro. O rastreamento da doença é feito da seguinte forma: o ministério da saúde (MS) e as principais sociedades de Obstetrícia recomendam a solicitação do hemograma completo no primeiro trimestre e no terceiro trimestre.
A partir do diagnóstico de anemia, o médico já está autorizado a iniciar de forma empírica o tratamento da deficiência de ferro com suplementação de ferro oral ou endovenosa (a via é individualizada e depende de diversos fatores) e solicitar exames que auxiliem no diagnóstico etiológico da anemia, como um perfil de ferro completo (dosagens de ferro, ferritina e saturação de transferrina), vitamina B12 e dosagem de ácido fólico. Como a anemia é o resultado final da deficiência das vitaminas e minerais que comentei acima, a avaliação laboratorial destas outras substâncias pode auxiliar, também, a detecção precoce da deficiência.
Portanto, o hemograma entra como exame obrigatório no primeiro e no terceiro trimestre. O perfil de ferro e a dosagem de B12 não são obrigatórios, mas, podem auxiliar quando o profissional suspeita de deficiências na ingesta de alimentos que possuem essas substâncias.
Por fim, é fundamental sabermos o tipo sanguíneo da mãe pois as mulheres Rh negativo com parceiro Rh positivo podem gerar bebês com Rh positivo, e desenvolver uma doença hematológica neonatal grave por incompatibilidade Rh. Portanto, a tipagem sanguíneo (ABO, Rh) e o Coombs indireto também são solicitados no primeiro trimestre. Para mulheres Rh negativo, é necessária a solicitação da tipagem do pai, e acompanhar o Coombs indireto ao longo do pré-natal.
Diabetes Gestacional
Seguindo a ordem das doenças prevalentes, vamos agora conversar brevemente sobre a segunda patologia mais comum da gestação: o diabetes mellitus gestacional (DMG). Caracterizada por um aumento nos níveis séricos da glicemia, é uma doença, muitas vezes, silenciosa para a mãe, mas, capaz de trazer diversas repercussões ao bebê, como ganho de peso excessivo (bebês macrossômicos ou grandes para a idade gestacional), aumento no índice de líquido amniótico (polidrâmnio), e até a óbito fetal em situações de descontrole extremo da doença.
Existem alguns fatores de risco para desenvolver o diabetes gestacional, mas, em mais de 50% dos casos, a doença surge em gestantes sem NENHUM fator de risco! Isso porque é uma doença que depende de diversas interações entre hormônios maternos e placentários. Por ser uma doença silenciosa e tão prevalente, existe a recomendação de rastreamento dela ao longo do pré-natal.

Ele é feito de forma bem simples: no primeiro trimestre, é solicitada uma glicemia de jejum. Caso ela venha com valores alterados, fornecemos o diagnóstico de DMG ou de diabetes mellitus diagnosticado na gravidez; na eventualidade dele vir normal, está indicada a realização da curva glicêmica entre 24 e 28 semanas de gestação. Se você está grávida, com certeza ouviu falar deste exame: consiste em tomar um líquido contendo 75g de glicose, com aferição da glicemia em jejum, 01 hora e 02 horas após. A depender do valor, excluímos ou diagnosticamos o DMG. O fluxograma aqui ao lado mostra de forma resumida como é feito esse rastreamento.
Infecção Urinária
Outro exame realizado no primeiro e no terceiro trimestre da gestação é o exame de urina, especificamente a análise de sedimento urinário e a cultura urinária. E esses exames são recomendados pois, durante a gestação, diferente de outros períodos da vida da mulher, existe a necessidade de tratar infecções urinárias mesmo sem sintomas - as famosas bacteriúrias assintomáticas.
Isso porque a infecção urinária, ou melhor, qualquer infecção no corpo da mulher (e aqui coloco infecções nas unhas, nos dentes, vulvovaginites, dentre outras), está associada a parto prematuro e baixo peso ao nascimento. Portanto, fazemos o rastreamento de bacteriúrias assintomáticas na gestante.

Esse conceito de "bacteriúria assintomática" se refere àquela gestante que apresenta uma cultura de urina com crescimento bacteriano em nível significativo, e não apresenta sintomas. Sim, a bexiga pode ser povoada por bactérias e não causar nenhum sintoma! Porém, nas gestantes, o tratamento é sempre indicado. A vantagem principal de realizar a cultura de urina junto da análise de sedimentos é que a cultura não só identifica a bactéria, como permite direcionar o antibiótico a ser utilizado, gerando menos resistência antimicrobiana e expondo a gestante a medicações com menos efeitos colaterais.
Sorologias
Durante a gestação, existe uma recomendação do Ministério da Saúde em se rastrear diversas infecções. Vamos listar, de forma bem breve, quais sorologias são solicitadas, o motivo, e o momento.
Em primeiro lugar, vamos falar sobre a sífilis. É uma infecção sexualmente transmissível (IST) capaz de afetar o bebê ainda dentro do útero (vamos utilizar esse conceito como transmissão vertical), e trazer repercussões no desenvolvimento ósseo e neurológico daquele bebê, com graves repercussões ao longo da vida. É uma infecção com prevalência relativamente alta no Brasil, e muitas vezes a infecção passa despercebida - a sífilis se manifesta, muitas vezes, como uma úlcera genital sem dor que as pessoas valorizam pouco. Por se tratar de uma IST e pela morbidade associada a ela, temos a recomendação de fazer o rastreamento da doença na abertura do pré-natal (através de um teste rápido se for disponível), na rotina de primeiro trimestre, na rotina do terceiro trimestre e na admissão na maternidade para o parto.
Existem dois tipos de exame para sífilis: os exames treponêmicos e os não treponêmicos. De forma bem resumida, o exame treponêmico se altera quando a pessoa teve contato com a sífilis alguma vez na vida, ou seja, mesmo pessoas já tratadas terão este exame positivo para o resto da vida. Os exames não treponêmicos são utilizados para avaliar a quantidade de anticorpos circulantes, e quanto maior a titulação, mais sugestivo de infecção. Via de regra, o primeiro exame a ser feito é um teste treponêmico e, caso venha positivo, os laboratórios automaticamente realizam teste não treponêmico na mesma amostra de sangue para avaliar se é realmente uma doença ativa ou não.
Outra sorologia feita é contra o HIV. A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana é capaz de diminuir a resposta imune da pessoa, trazendo diversas infecções oportunistas, e também é capaz de ser transmitido verticalmente, ou seja, uma gestante não tratada pode passar para seu feto. Portanto, sua pesquisa é feita da mesma maneira que a sífilis: na abertura do pré-natal, no primeiro trimestre, no terceiro trimestre e na admissão para o parto.
As hepatites virais, especificamente as hepatites B e C, também são ISTs pesquisadas na gestação a fim de rastreamento e início de tratamento destas condições. São responsáveis por causar hepatites virais na gestação, com grave consequência para mãe e bebê. O rastreamento delas é feito no primeiro trimestre e no terceiro trimestre.
Vamos falar agora de outra infecção, que não é uma IST, mas, gera muitas dúvidas e receios para as gestantes: a toxoplasmose. Trata-se de uma doença que, quanto mais precoce na gestação, mais chance de infectar o bebê. Caso a gestante seja exposta à doença no terceiro trimestre, a chance de transmissão vertical é menor, mas, na eventualidade de ocorrer, os danos ao feto são mais graves. O rastreamento é feito através da dosagem de anticorpos IgM (que avaliam infecção recente) e IgG (infecção antiga ou imunidade). Na eventualidade da gestante ser suscetível à doença, ou seja, apresentar os dois exames negativos, eles devem ser feitos uma vez a cada trimestre da gestação. Caso ela seja imune, não há necessidade de solicitar mais estes exames, já que, uma vez imune, não há reinfecção.
Outras pesquisas que podem ser realizadas são contra o citomegalovírus (CMV) e contra o vírus da rubéola caso não saiba o esquema vacinal da gestante. Também são feitas no primeiro e no terceiro trimestre.
Exame de Fezes
Sim, é uma m3rd4, mas, existe a recomendação em se realizar o exame parasitológico de fezes na gravidez. Isso porque as parasitoses intestinais são prevalentes na população brasileira e, muitas vezes, geram sintomas silenciosos na gestação: anemia difícil de tratar, desconforto abdominal, pouco ganho de peso, perda de nutrientes, dentre outros.
A recomendação é de se realizar o exame uma vez ao longo da gestação, preferencialmente na rotina de primeiro trimestre.
Pesquisa do Streptococo e de Gonococo/Clamídia
Vamos conversar primeiro sobre o estreptococo do grupo B. Trata-se de uma bactéria que naturalmente vive na pele das pessoas, e não gera nenhum problema - é uma bactéria que compõe a microbiota da pele. Porém, na gestante, alguns estudos antigos associaram a presença desta bactéria com sepse neonatal precoce, ou seja, mulheres que tinham esta bactéria, após o parto, passavam esta bactéria para o bebê e, por ter um sistema imune ainda rudimentar, eram colonizados e desenvolviam infecções graves nos primeiros dias de vida. Diante deste cenário, surgiu a recomendação de realizar a pesquisa desta bactéria na microbiota anal e vaginal entre 34 e 36 semanas de gestação. Para as mulheres que são colonizadas por esta bactéria, devem receber antibiótico endovenoso quando internarem no trabalho de parto ou quando a bolsa romper.
Claro que existem críticas a este exame - os estudos mais recentes não confirmam essa associação que comentei aqui em cima, mas, a maioria dos hospitais no Brasil ainda adota esta pesquisa como rotina, portanto, cabe ao pré-natalista solicitar e manejar o caso a depender do exame.
Já a pesquisa contra o gonococo e a clamídia é bem estabelecida na literatura como benéfica. Ao se pesquisar estas duas bactérias (e aqui faço uma ressalva: essa pesquisa pode ser durante uma consulta pré-concepcional, ou no primeiro trimestre, ou no terceiro trimestre) na gestação, podemos tratar estas bactérias que são responsáveis por tantas complicações na vida da mulher. Para mulheres que realizaram a pesquisa e o exame veio negativo, não há necessidade, após o parto, de utilizar o colírio de nitrato de prata nos bebês, uma vez que o colírio é feito para prevenir conjuntivite neonatal, condição causada pelas duas bactérias em questão.
Conclusão
Sim, eu sei que é muita informação, mas, aqui eu vou sintetizar a rotina de exames de pré-natal recomendada para a maioria das gestantes. Como disse, a solicitação de outros exames deve ser individualizada, e decidida entre casal e equipe médica da realização e do tratamento caso existam alterações,
Abertura do pré-natal: testes rápidos contra sífilis, HIV, hepatites B e C;
Rotina de primeiro trimestre: hemograma completo, tipagem sanguínea e Coombs indireto, glicemia de jejum, sorologias contra sífilis, HIV, hepatites B e C, toxoplasmose, CMV, exame de urina (análise de sedimentos e cultura de urina), exame de fezes;
Entre 24 e 28 semanas: teste de tolerância oral à glicose para as gestantes sem diagnóstico de DMG, Coombs indireto para as gestantes Rh negativo;
Rotina de terceiro trimestre: hemograma completo, sorologias contra sífilis, HIV, hepatites B e C, toxoplasmose (se a gestante for suscetível), CMV (se a gestante for suscetível), exame de urina;
Entre 34 e 36 semanas: pesquisa contra streptococo do grupo B (pesquisa anal e vaginal), pesquisa contra clamídia e gonococo (pesquisa endocervical).
Espero que esta postagem tenha ajudado você a entender quais são os exames básicos necessários para uma gestação saudável e um pré-natal bem feito. Se você ficou com alguma dúvida dos exames solicitados, comenta aqui embaixo que eu te respondo!
Comments