A Tal da Consulta Pré-Concepcional
- vitorreis222
- 20 de mai.
- 5 min de leitura
Em postagens anteriores, já comentei sobre a realidade do Brasil (e do mundo) quando conversamos sobre planejamento de gestação: cerca de 55% das gestações acontecem sem o casal se preparar da forma como gostariam de se planejar - cerca de 1,4 milhões de gestações por ano. E qual o problema disso?
Os impactos são diversos, desde complicações gestacionais (tanto maternas quanto fetais) como impactos financeiros e culturais. E isso pode ser evitado com o planejamento familiar adequado, o maior acesso a métodos contraceptivos eficientes e com educação sexual e reprodutiva.
Esse tópico é importante sim, mas, abordaremos ele em uma postagem futura. Hoje, quero imaginar o cenário ideal, daquelas 45% gestações que foram planejadas. Para que uma gestação seja "planejada", não basta apenas a mulher "querer" engravidar - ela precisa receber orientação sobre quais são as melhores medidas a serem feitas para que ela não só aumente suas chances de engravidar, como também que seja um período mais saudável, para mãe e para bebê. Essa é a consulta pré-concepcional! Quer entender mais sobre ela? Então leia esse post até o final!

Pilares da Consulta Pré-Concepcional

A imagem aqui do lado deixa bem claro que é uma consulta longa e elaborada, afinal, não é simplesmente prescrever uma medicação e liberar para engravidar. Na minha prática, são consultas que demoram mais de 01 hora, afinal, entender todo o histórico ginecológico e obstétrico de uma mulher e traçar planos de tratamento não é uma tarefa simples! Mas, eu vou colocar aqui, de forma bem resumida, o que conversamos nesta consulta.
Identificação de Riscos
Identificar riscos nada mais do que olhar aquela mulher como um todo e identificar fatores que, em seu contexto atual de vida, podem trazer algum risco à gestação. Vale lembrar que "risco" é diferente de "certeza", ou seja, a relação de causa e consequência não é direta! Se ainda ficou com dúvida, segue aqui para ver alguns exemplos:
Idade materna: o aconselhamento genético é indicado para mulheres com mais de 35 anos, uma vez que existe associação desta idade com maior ocorrência de cromossomopatias. De novo, não é uma relação causal direta (até porque isso acontece com a minoria das mulheres com mais de 35 anos), mas, elas devem ser orientadas e o histórico familiar deve ser analisado para boas orientações. Além do aconselhamento genético, outras orientações são dadas para mulheres com extremos de idade (adolescentes que desejam gravidez e mulheres acima de 35 anos);
Peso materno ao engravidar: tanto o baixo peso ao engravidar (utilizando o índice de massa corpórea/IMC menor que 19,8) quanto o sobrepeso pré-gestacional (IMC maior ou igual a 25) são associados a algumas complicações obstétricas e/ou fetais, portanto, cabe ao profissional identificar este fator na consulta e orientar adequadamente;
Histórico de saúde e uso de medicações: avaliar as comorbidades da mãe possibilita um manejo individualizado durante a gravidez (especialmente na hora de rastrear certas intercorrências ao longo da gestação), e também possibilita avaliar o controle desta condição e as medicações utilizadas. Por exemplo, mulheres diabéticas que desejam engravidar devem não só ter um bom controle da doença (avaliado, principalmente, com exames de sangue), como também utilizar medicações seguras para o primeiro trimestre;
Histórico ginecológico e obstétrico: parte fundamental da anamnese em qualquer consulta ginecológica ou obstétrica é avaliar o histórico daquela mulher. Avaliar o ciclo menstrual, especialmente sua regularidade e se o sangramento é normal, permite rastrear condições patológicas como anemia (doença mais comum durante a gestação), e também datação correta da gravidez. As vulvovaginites, como a vaginose bacteriana e a candidíase de repetição, também podem ser um fator associado à infertilidade e desfechos obstétricos desfavoráveis. Além disso, o histórico obstétrico permite rastrear intercorrências em gestações futuras, especialmente em casos de partos prematuros ou de necessidade de induções de parto;
Vacinação: o programa nacional de imunizações (PNI) recomenda que a gestante tenha seu cartão vacinal atualizado e receba proteção contra algumas doenças, como a coqueluche e, recentemente, contra a bronquiolite. Avaliar o histórico vacinal da mulher permite que as vacinas sejam atualizadas antes de engravidar, reduzindo o número de vacinas na gravidez, e permite que esta mulher receba imunizações importantes que são contra-indicadas durante a gravidez, mas que podem causar problemas sérios no período. Um bom exemplo é a vacina contra dengue, contra-indicada para as gestantes, mas, muito indicada para as mulheres que desejam engravidar, já que a doença tem potencial de evoluir de forma grave na gestação.
Perceba que são alguns tópicos da anamnese e do exame físico que permitem identificar vários riscos, e possibilitam que o profissional oriente e intervenha de forma adequada. Durante minhas consultas pré-concepcionais, esta é a parte que mais demanda tempo, e até por isso estas consultas não conseguem ser curtas!
Orientações Direcionadas e Intervenções Eficazes
Apesar de serem vértices diferentes da consulta, se misturam na hora de escrever, já que "orientar" e "intervir" entram como decisões compartilhadas entre profissional e paciente. E como funcionam essas orientações e intervenções?

Bom, depois de identificar todos os riscos daquele casal após anamnese abrangente, exame físico completo e avaliação de exames (caso levem em consulta), é função do profissional orientar sobre cada ponto identificado, e tomarem uma decisão conjunta para melhorar. Vamos dar alguns exemplos aqui embaixo:
Atividade física: talvez a intervenção com melhores resultados para a mulher, em qualquer fase que estiver. Para mulheres que desejam engravidar, a atividade física (que, muitas vezes, acompanha a redução de peso) está associada à normalização de ciclos menstruais, maiores chances de engravidar e melhores desfechos gestacionais. Além disso, manter-se ativa na gestação (se não houver contra-indicação por parte médica) reduz efetivamente as chances daquela mulher desenvolver pré-eclâmpsia e diabetes mellitus gestacional, duas das complicações mais comuns (e temidas) pelas gestantes. Portanto, se você já se exercita, mantenha; se não se exercite, comece! Faça alguma atividade física que sinta prazer, e tente manter a regularidade - você não se arrependerá dos benefícios a longo prazo!
Nutrição: muito atrelada à orientação da atividade física, a boa alimentação auxilia no controle de peso e no melhor aporte nutricional para a mãe e para o bebê. A boa alimentação, com ingesta adequada de macronutrientes, vitaminas e minerais se associa com a formação normal do feto, bem como a redução de desfechos obstétricos/fetais desfavoráveis;
Vícios: não existe dose segura de tabaco ou de álcool na gestação. Para mulheres que são tabagistas, a redução ou cessação do hábito de fumar reduz (muito) as chances do feto ter restrição de crescimento e de desenvolver pré-eclâmpsia. Além disso, fumar reduz a chance de gravidez espontânea e está associado a infertilidade feminina. O álcool não tem dose segura na gestação, portanto, a tolerância é zero na gravidez. Para mulheres que desejam engravidar, o ideal é parar de consumir álcool, já que a identificação da gravidez geralmente é na quinta ou sexta semana, momento em que o desenvolvimento embrionário já começou, e o consumo de álcool pode interferir nesta fase;
Suplementação: a consulta pré-concepcional não serve apenas para a mulher pegar uma receita de ácido fólico. Claro que, quando falamos sobre suplementação nesta fase, o ácido fólico ganha destaque por um bom motivo - afinal, é recomendado que seja suplementado por, pelo menos, 90 dias antes de engravidar - , mas, além da sua dose ser individualizada (e só é possível obtê-la depois da identificação de riscos), ele pode não ser a única suplementação que aquela mulher necessita.
Considerações Finais

Passar por uma consulta pré-concepcional é muito mais do que uma consulta ginecológica simples. De tão importante que ela é, algumas pessoas consideram que a gravidez dura "12 meses", e esses 3 meses pré-concepcionais são fundamentais para uma gestação mais saudável e tranquila.
Não basta só prescrever um suplemento universal, é preciso individualizar todas as orientações e propor um plano de seguimento neste período, e assim a consulta realmente terá benefício para a gestação! Se você tem alguma dúvida sobre a consulta pré-concepcional, comenta aqui embaixo!
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